Petrichorismo
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
segunda-feira, 18 de março de 2013
O conto da eternidade
Quando foi perguntado
a Yuri Norstein, diretor de “Conto dos Contos” (1979, 28 minutos), mais célebre
curta-metragem russo do século XX e também considerado por muitos o melhor curta
de todos os tempos, sobre o que se tratava a comunhão desenfreada de cenas com certo
toque de melancolia ao evidente despertar das memórias a resposta foi um tanto
quanto inesperada: sobre a eternidade. Para aqueles que já tiveram o privilégio
de assistir a obra-prima do diretor a conclusão de um significado para o
turbilhão imagens simbólicas pode parecer inalcançável e desafiadora, mas
sublimemente incerto que é o indomável prazer que a arte nos concebe.
Desde a angústia ao presenciar
os terríveis anos de guerra até um simples detalhe da lembrança, são estes
alguns dos aspectos que faz do curta-metragem russa um verdadeiro conto dos
contos, trilhando histórias dentro da história, memórias dentro da memória. A
intercalação de cenas postas sem rumo ao contexto de uma linha não cronológica
leva-nos a pensar que as imagens possam não relacionar-se entre si, mas tudo
não passa de um conjunto de símbolos e enigmas que não devem ser analisados ao
“pé da letra”. Imagine-se em um sonho sem nexo recordando dias e pessoas
guardadas em seu subconsciente que talvez nem saiba falar sobre quando
acordado. É assim que Norstein nos dar as pistas necessárias para a compreensão
tão inconsciente usada para a apreciação da obra.
Yuri Norstein, premiado diretor
também idealizador de muitos outros curtas como Ouriço no nevoeiro (1975) e Estações
(1969) teve o primeiro roteiro de Conto
dos Contos aprovado pelos soviéticos, mas esse não o agradou, produzindo um
muito mais ambíguo e emocionalmente complexo do que foi originalmente
planejado. O curta justapõe imagens
de inocência e felicidade com outras de guerra e soldados, fuga, visões da
infância com um pai alcoólico bebendo uma garrafa de vodka. As autoridades de filmes soviéticos, perplexos com a poesia
do filme, considerou-o subversivo por sua falta de realismo social e exigiu que
Norstein fizesse grandes mudanças. Ele recusou, e por sorte, tinha acabado de
ser premiado com uma honra do Estado que tornou praticamente impossível para as
autoridades cumprir as suas exigências ou banir o trabalho.
A
atenção que devemos ter ao curta é que as memórias não são relembradas em uma
ordem cronológica, mas sim associando um símbolo, ou objeto memorial, a outro. A
primeira cena logo introduz uma das lembranças da infância do autor. De início,
a maçã verde caída no chão enquanto os pingos de chuva despencam do céu sobre a
imagem do pequeno lobo cinzento de olhar assustado ao observar um bebê mamando.
Tudo se confunde com a estética sombria e a voz de um personagem desconhecido
cantando uma das tradicionais canções russas, porém a mensagem essencial foi
captada: a cautela à retroprojeção da memória do diretor em meros segundos nos
acolhe como em uma reflexão de nossas próprias lembranças e assim, ficamos tão
familiarizados com a obra.
De repente, surge-nos a tão despropositada
casa e a sua porta iluminada à caminho de um quintal. Este o qual deixa-nos por
assistir posteriormente desde um touro pulando corda com uma criança à um poeta
desesperançado tocando harpa. Outras cenas como fuga do lobo com o pedaço de
pergaminho do poeta fracassado e a valsa de casais sob a luz opaca do poste
esquecido em alguma rua da Rússia, esta última a qual representa por trás da
simbologia as enormes perdas que a União Soviética sofreu na frente oriental
durante a Segunda Guerra Mundial, dão a atenção tão intimidante e
sensibilizadora ao olhar de qualquer telespectador o qual reconhece a
perturbação adorável da nostalgia.
Conto
dos Contos
é um grande espelho das reminiscências da vida, sendo aquelas lembradas ou não,
e deve ser por vezes contemplado com a noção dúbia que existe na memória
humana, provando da esperança ou da retenção, da alegria ou da dor, mas sempre
de olhos tão abertos onde um pequeno lobo cinzento, um bebê,
batatas assadas, um touro manso pulando corda com uma garota, um poeta com uma
harpa, maçãs gigantes caindo na neve serão relembrados escondidos entre os
interstícios da recordação para toda a eternidade.
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
Assinar:
Postagens (Atom)